quinta-feira, novembro 10, 2005

A capacidade de imaginar

"And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am"

Sou um apaixonado por cinema.
Pela capacidade de diretores e roteiristas contarem histórias conhecidas de perspectivas diferentes, usando elementos distintos e prendendo o espectador na cadeira.
Não me lembro de um silêncio tão profundo num cinema quanto ao do final do filme de ontem. Foi mais que um tapa na cara. Foi um soco no estômago.

O diretor israelense (que se diz palestino) Hany Abu-Assad conseguiu tirar vários coelhos da cartola.
Conseguiu contar a história de dois homens-bomba com uma sutileza nunca antes vista, tendo o efeito de aumentar a força da gravidade. Ele realmente prende o público na poltrona...
Paradise Now (2005) não defende nem legitima os homens-bomba. Ele quer que o espectador entenda o contexto que produz tais atos - porque, como diz Abu-Assad, entender é o primeiro passo.

Trata-se de dois dias na vida de dois amigos mecânicos (Khaled e Said - Ali Suliman e Kais Nashef, em performances excelentes), moradores da cidade palestina de Nablus (Shchem, em hebraico), que são voluntários para um atentado suicida em Tel-Aviv (ou, para eles, a maior missão de martírio).
Aparentemente simples, a história nos traz uma rede complexa de motivações e sentimentos.

Para o primeiro, o pontapé inicial é a vaidade - a possibilidade de ver pôsteres seus espalhados pela cidade e o vídeo com seu último testemunho (com uma arma) vendido em lojas lhe enche de uma empolgação quase infantil.
Para o segundo, trata-se de uma tentativa de dar algum significado à vida completamente vazia que leva e uma sinistra influência da história do pai. Sobre eles, no entanto, pesa uma dinâmica da qual todos são vítimas e culpados. Paradise Now não é um documentário.
Participou do Festival de Berlim, ganhando o prêmio da Anistia Internacional, e é o representante da Palestina para o Oscar de melhor filme extrangeiro (segundo o diretor, radicado na Holanda, o filme foi custeado pela França, Holanda e Alemanha).



Se está ali o contraste chocante entre a "nobreza" de Tel Aviv com a pobreza e a humilhação constante a que os palestinos são submetidos, o diretor não se exime de mostrar como os idealizadores dos ataques se aproveitam do niilismo a que se entregam seus voluntários.
Mais forte do que a opressão que vem do outro lado da fronteira é a opressão psicológica alimentada ali mesmo, dentro da sociedade palestina.
Quando uma das personagens, Suha (que, no filme, faz o papel da filha de um importante terrorista assassinado), se indigna com o absurdo de matar civis inocentes, ela é imediatamente posta como traidora. Hesitar é permitido, discordar, não.

Como escreveu Érico Borgo, crítico do site Omelete, "fanatismo" é a primeira palavra que vêm à cabeça, geralmente seguida por imagens estereotipadas de osamas-bin-ladens genéricos, segurando explosivos numa mão e uma AK-47 na outra, enquanto gritam "Alá" e pressionam o botão da bomba.
Paradise now acaba com tudo isso.



Tive a oportunidade de conversar com o ator Ali Suliman, logo após a projeção (fomos agraciados com a presença do diretor e dos três principais atores).
Ao contrário das perguntas que o público fez ao final (quase todas imbecis, se me permitem), não estávamos interessados na parte "política" do filme, o que os atores acham ou o que sentiram. Eu e o Gabo queríamos saber mais dos bastidores (como eles se prepararam para o papel, como foi filmar em Nablus, quanto tempo tiveram entre ler o roteiro pela primeira vez e começar a filmar, quanto tempo ficaram em Nablus).

Antes disso, ainda no cinema, perguntaram ao diretor (na foto abaixo, o careca de braços cruzados) por que ele não havia mostrado nenhuma cena forte, como a de uma explosão, por acaso.

"Não subestimo a inteligência do meu público.
Cinema não serve para mostrar algo que todos conhecem,
e sim dar suporte para que o público imagine o que já é conhecido."



Ali Suliman, que faz o papel de Khaled, nasceu em Natzeret (Nazaré), em Israel. Vive hoje em Tel-Aviv.
Disse não ter conversado com "ninguém" para se preparar para o papel. Passou quatro meses filmando em Nablus e, por incrível que pareça, teve o maior choque da sua vida quando retornou à Tel-Aviv.

O Gabriel, que não perde uma, perguntou se caso fosse um palestino de Nablus, teria também se tornado um homem-bomba.
Pergunta difícil. Resposta nem tanto.
É preciso ter a capacidade de imaginar o que é viver lá. Eu, Bean, não tenho. Você, caro leitor, também não tem. A pergunta "imagina se você fosse..." só faz sentido se você tiver como imaginar.
Acredito eu que todos (os poucos) que são capazes de imaginar o que é ser um refugiado em Nablus titubeariam antes de responder. Inclusive eu.
Abaixo, Bean e o ator Ali Suliman (que, na resposta, titubeou...)


Para ver o bom trailer, clique aqui!

Para o site oficial do filme, clique aqui!

Para fotos de Paradise Now, clique aqui!

Para crítica no Festival do Rio (em português), clique aqui!
Para crítica do Omelete (em português), clique aqui!
Para crítica do Terra (em português), clique aqui!
Para resenha do filme (em inglês), clique aqui!

Uma curiosidade:
Esse é o pôster de divulgação do filme na França.
Esse é o pôster na Alemanha.
Esse é o pôster aqui em Israel.
Dá pra entender o porquê da diferença...

ps1: O eterno vice não é o Vasco da Gama nem o técnico Levir Culpi.
É Shimon Peres.
Ontem, nas primárias do partido trabalhista (Avodá), perdeu a votação para o líder da Histadrut (algo similar à CUT) Amir Peretz (do bigode "moda Stálin").
A imprensa está chamando a vitória de "tempestade política". Bullshit! Apesar de tudo, nenhum dos dois candidatos é, hoje em dia, páreo para Ariel Sharon. Se levarmos em conta à liderança do Avodá, estamos fadados a mais um mandato do Likud. Tudo 100% sociologicamente explicado...
Um dia conto pra vocês. Tenho a minha teoria.


Para ler sobre a vitória de Peretz (em inglês), clique aqui!

Para matéria do Ynet (também em inglês), clique aqui!

ps2: O cantor Phil Collins se apresentou aqui em Israel.
Não fui porque não estava disposto a pagar o alto preço para ver Phil Collins. Ouvi boatos que, no ano que vem, os Rolling Stones se apresentarão no Parque Yarcon, em Tel-Aviv.
Esse eu pago...

2 Comments:

At 6:22 PM, Anonymous Anônimo said...

Pensei que você ia fazer algum comentário sobre o que tá rolando na França

André

 
At 6:34 PM, Blogger Carlos Reiss said...

Farei, doutor André.
Até porque tenho escutado comentários bem bizonhos por parte dos israelenses.
Aguarde...

 

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