terça-feira, maio 24, 2005

Nós contra nós mesmos

A panela está começando a esquentar.
Os dias vão passando e, pouco a pouco, a situação vai ficando tensa. Explico.

O primeiro-ministro Ariel Sharon está em visita oficial nos Estados Unidos. Lá, numa Conferência, mais uma vez discursou sobre o plano de desconexão de Gaza. E, mais uma vez, o que se via eram protestos dos mais diversos. Dentre eles, cartazes com dizeres "A política de Sharon é um suicídio nacional", "Terra, Povo e Torá é um só", "A retirada é um prêmio ao terror".
Vou tentar explicar em poucas linhas do que se trata toda essa confusão.

Israel conquistou a Faixa de Gaza na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Antes disso, o território fora "deixado ao Deus dará" pelo Egito, que não queria assumir o "problema palestino".
O plano de Sharon envolve o desmantelamento dos 21 assentamentos judaicos existentes na Faixa de Gaza, retirando os entre 7 e 9 mil mitnahalim (colonos) que vivem ali (detalhe: são 1 milhão e 300 mil palestinos).
Por que, na verdade, o caldo pode entornar?
Ultimamente, em Israel, os ultranacionalistas vêm ganhando cada vez mais espaço. O maior expoente dessa "luta insana" é o conjunto de assentamentos de Gush Katif, em Gaza. Formado por 17 comunidades e cerca de 1.500 famílias (o que representa quase 7 mil pessoas), Gush Katif transformou-se no maior fenômeno atual da sociedade israelense.
Com suas blusas alaranjadas e manifestações constantes (muitas delas violentas) contra o plano de desconexão, os simpatizantes pelo menos já conseguiram o que queriam: chamar a atenção da mídia. A cor alaranjada transformou-se no símbolo dos protestos contra a retirada. São fitas, bandeiras, adesivos e uma campanha massante por todo o país. O argumento é único: a região faz parte da terra bíblica de Israel. Ou seja, em outras palavras, "está escrito!".


Manifestantes contra a retirada de Gaza


É bom deixar claro também que todas as pesquisas de opinião realizadas até então mostram que a maioria dos israelenses são sim à favor da retirada (inclusive eu).
O "Dia D", que iniciará a evacuação, está marcado para 15 de agosto. Muito se fala sobre o que pode acontecer, já que muitos desses colonos são violentos. Tá certo que cada família "evacuada" ganhará uma fortuna do governo para reestabelecer-se em outro lugar (especulou-se sobre Nitzanim, ao lado de Gaza, mas já existe pressão dos próprios moradores que não querem esses loucos por lá).

Dá pra perceber que toda essa história é bem complicada, e não será num pequeno post que tudo será explicado. Mas a idéia é essa.
Como já disse algumas vezes, o grande problema de Israel hoje não são os árabes e nem o Antissemitismo. O problema é interno: são diferenças, contradições e disputas de vários gêneros. Vivo numa grande panela de pressão. Auto-explosiva.

ps1: Infelizmente, não deu. Mas sua participação nos encheu de orgulho.
A loirinha Shiri Maimon foi a quarta colocada na última edição do Eurovision, realizado na Ucrânia (vide último post). Foi uma excelente participação, já que só de finalistas foram 24 países.
Só um parênteses: interessante o sistema de votação.
Cada país (inclusive os que foram eliminados na primeira fase, como Portugal e Holanda) forneceram por 10 minutos, na noite de domingo, um sistema de votos pelo celular. Em cada país, as pessoas puderam votar no campeão (sendo proibido o voto para seu próprio país). Passados os dez minutos, um link ao vivo de cada capital mostrava a contagem dos votos. Os dez primeiros de cada votação ganhavam pontos. E os votos eram somados ao vivo, como uma contagem de pontos do Carnaval.
No final, a vitória ficou com a Grécia. Mas Shiri Maimon deu show. Brilhou.


Shiri no Eurovision


Ainda no domingo, outra premiação alegrou o país.
A atriz Hanna Laslo recebeu o prêmio de melhor atriz em Cannes (o que não acontecia em Israel desde a década de 60) pelo novo filme do "queiridinho" Amos Gitai. Hanna, que na verdade é comediante (muito engraçada por sinal, no estilo da Cláudia Jimenez) viveu seu primeiro papel dramático.
No filme, ela faz o papel de uma taxista israelense que entra na chamada "Zona Livre" (o nome do filme) da Jordânia para cobrar o dinheiro que um palestino chamado de "Americano" lhe deve. No carro, vai uma judia-americana (interpretada pela gracinha da Natalie Portman).
O filme, que ainda não assisti, parece marcar um novo momento na eterna e louca interrogação do diretor sobre a realidade política do Oriente Médio. Abaixo, Hanna Laslo em Cannes.


Hanna Laslo em Cannes

Dentre manifestações contra e favor do plano de desconexão, denúncias cabeludas contra o Ministério do Exterior e o plano de mudanças pedagógicas para o próximo ano letivo, Shiri Maimon e Hanna Laslo ganharam a capa dos principais jornais do país na Segunda-Feira. Parabéns.

ps2: Vejam que boa iniciativa.
O presidente da comunidade autônoma espanhola da Catalunha, Pasqual Maragall,anunciou numa visita à Tel Aviv que fechou com o vice-primeiro-ministrode Israel, Shimon Peres, e o presidente do Barcelona, Joan Laporta, a realização em agosto de um jogo entre o time espanhol e uma seleção de jogadores israelensese palestinos.
Maragall revelou que a seleção palestino-israelense jogará no Camp Nou (estádio do Barcelona) sob o nome de "The Peace Team" (A Equipe da Paz).
O presidente catalão falou na quarta-feira com Laporta, que disse que o jogo poderia ser realizado no Camp Nou entre 1º e 15 de agosto para contar com os jogadores Ronaldinho Gaúcho e Eto'o, o que agradou Peres.
Segundo Bassat, já há líderes mundiais como Bill Clinton e Nelson Mandela que mostraram seu interesse em participar do evento, em um encontro que será transmitido pela televisão e que terá sua arrecadação doada para as fundações Shimon Peres e Ernest Lluch.
O combinado será dirigido pelo técnico atual de Israel, Abraham Grant. Se eu fosse o Ronaldinho, já dava uns 10 gols de vantagem...

ps3: Sei não, viu. Isso não me cheira bem.
Segundo informações do jornal Yediot Acharonot (que cita também fontes árabes), os grupos Hammas e Hizbollah teriam recebido cartas do governo dos Estados Unidos e da Inglaterra, convidando-os para conversar. O jornal árabe "Al-Bayan", publicado nos Emirados Árabes, foi uma das fontes.
De acordo com o artigo, ambos os governos teriam tomado essa decisão diante da crescente influência e poder que as duas organizações terroristas possuem na Autoridade Palestina e no Líbano, respectivamente.O Estados Unidos estariam até dispostos a colaborar para que tanto o Hammas quanto o Hizbollah se convertam em partidos políticos.
Outro jornal anunciou que seria a primeira vez que o governo britânico mudaria sua política e aceitaria conversar com os dois grupos.
Um dos leitores do jornal israelense pela internet perguntou, num fórum, se a atitude dos dois governos significa que os EUA estaria disposto a conversar também com a Al-Qaida.
Se vocês não entenderam, o cara foi irônico...

ps4: No último fim de semana, recebi a visita de uns 15 amigos que estão passando o ano de 2005 em Israel, no mesmo programa que fiz em 1999: o Shnat. Dentre pitas, kababs, hummus e episódios do Chaves, foi um bom sábado. Voltem quando quiser (a porta fica aberta...).

ps5: O Daniel, que está morando aqui em casa por um tempo, soltou uma boa hoje.
Um carro de som passou na maior altura aqui na avenida, com um árabe falando alguma coisa (em árabe). Fiquei pensando com meus botões: "O que será isso? Alguma convocação? Alguma propaganda? Estaria o cara vendendo alguma coisa?"
E foi quando o Daniel surge da cozinha.
"_ Ou, vou lá embaixo comprar pamonha. Você quer?"

3 Comments:

At 5:33 PM, Anonymous Anônimo said...

Sempre achei que o maior perigo de Israel é interno, não externo. Ultra-direitistas e ortodoxos representam um risco muito maior à existência do País (pelo menos da forma que o conhecemos) do que os árabes/palestinos.

Enquanto esses parasitas permanecerem mamando nas tetas do governo, só vão crescer em número e em poder.

E, se em Gaza a coisa já tá cheirando mal, quando a questão voltar a ser a Cisjordânia (um dia essa discussão vai voltar à tona) é que o bicho vai pegar de com força.

Esses caras que gostam tanto da bíblia, deveriam se lembrar que o pontapé inicial da diáspora foi a divisão do reino em Israel e Judéia. Será que é isso o que eles querem?

André

 
At 3:03 AM, Anonymous Anônimo said...

Olá Carlinhos,
De fato, o Sharon quer mesmo é ganhar tempo. Os religiosos aí não são considerados porque, como citou o André, agem como parasitas, quando a Torá ensina exatamente o contrário. E nós que estamos aqui de fora, que força temos? O jeito é esperar, mas a indignação fica enquanto os árabes são tachados de vítimas, nesta história que parece ser uma verdadeira bola de neve... Gostei do blog, tão informativo. Abraços, Sarah.

 
At 5:57 AM, Blogger A digestora metanóica said...

Olha, volto pra comentar esse post depois, porque estou me desfazendo de tanto rir. A pamonha me desconcentrou...
Beijos

 

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