quarta-feira, junho 15, 2005

No bakshish!!!

No Egito é assim.
Nao importa o que voce faz. Tudo (ou nada) é motivo para que as pessoas te peçam "bakshish".
Desde policiais e guias ate camareiros do trem, todos nao perdem a oportunidade de tentar ganhar mais alguns trocados do turista.
Bakshish significa literalmente "contribuicao", mas pode ser traduzido como "gorjeta" ou tambem "esmola".
Porem, como diria o amigo Jack, vamos construir esse post por partes.

O Cairo.
Cidade que vive num ritmo alucinante e com um transito de deixar qualquer um louco (ou ferido) em menos de 5 minutos. Tudo la e gigantesco. Sao 14 milhoes de habitantes que parecem sair as ruas ao mesmo tempo!
Na sexta-feira a noite, por exemplo, fica impossivel caminhar pelo centro. Um autentico formigueiro humano toma conta de tudo!
No meio do povao, tudo é muito barato. Os precos sao incrivelmente baixos. Como o do copo de caldo de cana, por exemplo, que nao passa de 25 piestras (30 centavos de Libra - um dolar vale cerca de 5,80 libras). Isso quer dizer que um copo de garapa gelada custa por volta de 10 centavos de Real.
Os albergues tambem sao baratos. Pagando entre 20 e 40 Libras, eh possivel dormir bem.



Varios foram os personagens que conheci por la. Um mais louco que o outro.
Mohhamed é um comerciante nato (como 99,99% dos comerciantes egipcios!). Casado com uma norte-americana, viveu por alguns anos em Massachussets e entrou no ramo dos perfumes. Hoje possui um bonito escritorio entre o centro do Cairo e o museu do Egito, onde estao as mumias.
Foi a maior "labia" que ouvi no Egito. Ele eh capaz de vender qualquer coisa para qualquer um. Se pedisse para que vendesse um vidro de areia para um arabe do Saara, nao tenho duvidas que conseguiria. E ainda ganharia bakshish...

Nathan é um dos 120 judeus que restam hoje no Cairo (antes de 1956, eram mais de 2 milhoes). Caminhando pelas ruas da Cidade Velha numa tarde ensolarada de sabado, nao pude deixar de parar quanto escutei um senhor de idade falando "shabat shalom" para mim.
"Nao é possivel!", pensei. Mas era.
Proximo a Sinagoga de Ben Ezra (que na verdade transformou-se num museu, que alias esta sendo reformado), esse senhor conseguiu me proporcionar o momento mais emocionante da viagem.

"Shabat Shalom! Voce é judeu, né?", me perguntou o velho.
"Sim, sou."
"Ashkenazi ou Sefaradi?"
"Sou ashkenazi, senhor."
E com uma voz totalmente empolgante, ele respondeu.
"Eu sou sefaradi!!! Eu sou sefaradi!!!
"Como voce sabia que somos judeus?", perguntei.
"A gente sabe, meu filho. So de olhar".



Azi é dono de um modesto barco a vela caindo aos pedacos que leva turistas (pobres) a passear por algumas horas pelo rio Nilo. Mora num vilarejo proximo a Luxor, na margem oriental do Nilo.
Por baixo da vestimenta arabe tradicional, usava uma camiseta da NBA. No barco, depois de alguns minutos, abriu mao da insuportavel musica egipcia e trocou o cd. Colocou o rapper americano Shaggy.
Azi eh eletrico. Danca, pula, fala alto. Quando escutou as primeiras palavras ditas por mim em arabe, nao hesitou. Comecou a gritar "ele fala arabe, ele fala arabe!", saiu correndo pelo barco e pulou no Nilo.

Hussein é um estudante de Psicologia que tambem mora em Luxor. Educado, com um tom de voz baixo e um ingles melhor que razoavel, Hussein viaja pelo menos tres vezes por semana ate a Universidade de Aswan (a 4 horas dali), onde espera receber o titulo em menos de um ano.
Em Luxor, administra um albergue barato proximo a estacao de trem onde desembarquei.
Durante tres semanas, decorou o "roof" do albergue com latas de refrigerante, tapetes, almofadas e uma infinidade de fotos do Bob Marley.
Encontrei Hussein por tres vezes durante o dia. As tres, totalmente sem querer.
Nao tenho duvidas em dizer que Hussein foi o egipcio mais legal que eu conheci. Dentre varias coisas, nao quis nem pensar em pedir "bakshish"...

A viagem, apesar de todos os contratempos (e nao foram poucos), foi inesquecivel (pelas coisas boas e tambem pelos mil perrengues, por que nao!?). O turismo que fiz nao passa perto de hoteis caros, refeicoes fartas e translados confortaveis.
Andar no meio do povo, procurar lugar pra dormir, pra comer, andar em taxis velhos e batidos... tudo isso me fez conhecer um pouco mais a sociedade egipcia.
Um povo que representa como nenhum outro os varios segmentos da cultura arabe, que vive numa democracia disfarcada e que consegue, dia apos dia, sobreviver em meio ao caos africano.
No proximo post, escreverei um pouco sobre Karnak, o lugar mais fantastico da viagem. E, dentro de alguns poucos dias, disponibilizarei tambem as centenas de fotos (devidamente legendadas).

ps1: Hoje fazem exatos 11 meses que pousei nessa terra.
O que aprendi, vivi, presenciei e experimentei equivalem a pelo menos uns 10 anos de vida no Brasil. Nao tenho duvidas de que hoje sou outra pessoa.
Se algum dia, "chaz vechalila", der tudo errado por aqui e eu tiver que voltar pra casa, ja saio ganhando. Os que me conheciam "antes" terao a oportunidade de conhecer o Bean versao 2.0.

ps2: Uma curta noticia da "hitnatkut", a evacuacao de Gaza.
Todo mundo ja esta careca de saber que milhares de maniacos-direitistas-religiosos-alaranjados pretendem viajar ate os assentamentos de Gush Katif para dar sua colaboracao ao "marketing laranja" e tentar evitar que os territorios sejam evacuados.
Mas, segundo a policia israelense, cerca de 8 mil pessoas ja se voluntariaram para ajudar a retirar os colonos de la.
Abaixo, uma foto do marketing laranja. O que esta escrito no cartaz? "O laranja vencera!"


Marketing laranja


Alias, vi ontem no Canal 2 (o slogan eh otimo; "shtaim ze tamid.... beiachad!!!!" - "Dois pra sempre... juntos!!!) a terceira parte de um documentario sensacional que mostra a vida dos colonos nos territorios ocupados.
De mais legal, uma entrevista com um colono que vive proximo a famosa "Cerca de Separacao" (Gueder Hahafradah), que divide partes de Israel e dos territorios.
No bate-papo com o reporter (que era, na verdade, o veterano ancora do jornal noturno do canal), o colono mostrou como o muro (que custa 10 milhoes de shkalim o quilometro) atrapalha nao so o dia-a-dia dos palestinos (uma mulher que mora do lado de ca, por exemplo, tem que atravessar a cidade todos os dias para levar os filhos ate a escola, que fica do outro lado), mas tambem dos assentamentos.

"Estamos nesse assentamento ha 31 anos", disse o colono. "E, dessa vez, com o muro, estamos tendo problemas em manter nossos agricultores palestinos em nossas lavouras. O governo coloca cada vez mais empecilhos, como se quisesse expulsar esses arabes daqui. Nunca pensamos em expulsar nenhum arabe daqui".

O melhor de tudo. Esse colono se diz "de direita".
A ultima frase da entrevista fechou com chave de ouro.

"Ninguem pensa nas consequencias do muro. Nem nos 10 milhoes de shkalim por quilometro, nem no dia-a-dia das pessoas que moram aqui. Falar sobre o muro eh um tabu. Por que? Onibus explodem e pessoas morrem. Ninguem pode abrir falar sobre o muro. Porque eh 'assunto de seguranca nacional', entende?".

Logo depois, o documentario mostrou o drama de uma mulher que, ha dois anos, perdeu o filho de 22 anos num atentado suicida no centro de Jerusalem e defende com unhas e dentes a Cerca de Separacao.
O recado do Canal 2 (que é ESTATAL) ficou bem claro. Ninguem toca no muro: é assunto de seguranca nacional (!?!?!?!?!?)


O Muro

1 Comments:

At 1:37 AM, Anonymous Anônimo said...

Recebi sim seu e-mail, eu não tinha olhado hoje.
Depois queria saber mais sobre as aventuras (e desventuras...).
Especialmente sobre o mergulho so Azi, que deve ter sido a parada mais engraçada da viagem!
Michel.

 

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