terça-feira, agosto 30, 2005

Humor e sutileza

Estou de volta ao Oriente Médio!!!
Depois de um dia passeando por aeroportos (principalmente o Charles de Gaulle, que é infinito), desembarquei em Israel.
E, para comemorar, hoje não escrevo nada sobre política ou marketing laranja (pelo menos nessa primeira parte...).
Falarei de humor. Aliás, o mais inteligente de Israel.

O programa, transmitido agora aos domingos pelo canal 2, bate recordes de audiência. Média de 24,6 pontos (com picos de 27,4%) fazem de "Misschak Machur" ("missrrák marrúr", algo como "jogo estabelecido") um dos maiores sucessos da televisão israelense. O formato é muito simples. A linguagem, também.
Uma mesa redonda. A apresentadora Einav Galili, 36 anos, é uma antiga kibutznik e ex-membro de um movimento juvenil judaico-socialista. Do centro da bancada, a jornalista comanda a bagunça.


Misschak Machor


As sátiras, que incluem assuntos políticos e até mesmo do conflito, são fantásticas. Nada fica de fora, inclusive as notícias internacionais (relevantes ou não!).
Gori Alfi (na foto acima, à direita) provavelmente não é o melhor humorista de Israel. Mas possui, sem dúvida, o humor mais inteligente. Pensa rápido, tem sacadas realmente muito boas.
Acho que um "Zorra Total" ou uma "A Praça é nossa" nunca daria certo por aqui. Por outro lado, não sei se "Misschák Machur" implacaria no Brasil. Pelo menos não na Rede Globo...
Por incrível que pareça, os israelenses sabem fazer rir com sutileza...
Abaixo, Lior e Gori. Já viraram celebridades...


Lior e Gori

Para o site oficial do programa, clique aqui!
Para assistir alguns vídeos (em hebraico), clique aqui!
Para matéria sobre a audiência do programa (em hebraico), clique aqui!

ps1: O jornal "The New York Times" fez uma coletânia das melhores fotos da retirada israelense da Faixa de Gaza.
O que se vê, mais que o último capítulo do melodrama laranja, faz parte agora da história do Estado de Israel. Felizes ou triste, não importa. Foi feito o que precisava ser feito.
Para o clip de fotos, clique aqui!

ps2: Uma agente laranja conversando com um soldado israelense em prantos, logo após a evacuação de Gaza. Ela quer consolá-lo.
O diálogo está abaixo (qualquer semelhança das palavras da colona com a realidade é mera coincidência...)

Conversa após a evacuação

"Não se preocupe, meu irmão. Não chores por mim.
Nós dois temos motivos para ficarmos felizes.
Você, por ter honrado a pátria e cumprido seu dever como soldado.
E eu, por ter engordado consideravelmente a minha conta bancária..."

quinta-feira, agosto 25, 2005

Uma questão de respeito


Apesar das boas iniciativas (como a de cima), continuamos nosso ciclo de provocações.
Pensava em atualizar o "Blog do Bean" apenas quando chegasse de volta na minha casa, em Jerusalém, o que acontecerá em 3 longos dias. Mas não posso deixar de mostrar aqui mais um exemplo, dessa vez não de intolerância, mas de estupidez.
Explico. E vejo se existe alguém que não concorda comigo.

No último fim de semana, os fiéis muçulmanos que chegaram à mesquita de Hassan Bek, na borda de Tel-Aviv, tiveram uma surpresa. Para quem conhece Tel-Aviv, é a mesquita que se localiza exatamente no cantinho da orla, próxima à cidade de Yaffo.
Pois bem.
Lá, uma cabeça de porco envolta numa keffieh (ou kfiahh, aquele tradicional pano árabe) e com a frase, escrita em hebraico, "profeta Mohhamed". O porco, sabemos, é um animal considerado impuro tanto pelo Islã como pela religião judaica.
A foto é terrível. Mas o jornalismo israelense adora...


Cabeça de porco

Os muçulmanos que fizeram a descoberta imediatamente alertaram a polícia.
Segundo o jornal Yediot Acharonot, os investigadores ainda tentam verificar se este ato vexatório está relacionado aos protestos dos extremistas de direita israelenses, os adeptos do marketing laranja, contra a retirada da Faixa de Gaza.
Em 2001, depois de um atentado suicida numa boate em Tel-Aviv, manifestantes judeus apedrejaram essa mesma mesquita.

Duas curiosidades.
Na versão em hebraico da notícia, é possível perceber, escrito em fundo vermelho logo no topo da página, a palavra "Provocatzia" (que quer dizer isso mesmo, "provocação"). Isso quer dizer que não existe ninguém em sã consciência (muito menos os jornalistas responsáveis) que apóie tal medida.
Em segundo lugar, é também possível notar que a matéria foi adicionada à três editorias distintas do jornal. À editoria "Nacional" ("Clali"), à "Justiça e Crimes" e, por último, à editoria "Educação e Saúde".
Tocaram na ferida. "Educação e Saúde". Porque esses atos ultrapassam à barreria do crime. É questão de educação, de respeito, de honra.

Para assistir a um vídeo da cabeça de porco, clique aqui!


ps1: Enquanto isso,
num playground de um dos assentamentos judaicos em Gaza...


Playground vazio

sexta-feira, agosto 19, 2005

Fotolog do desespero

Daqui, de longe, acompanho a tão esperada e histórica retirada dos assentamentos de Gaza.
Difícil emitir qualquer comentário sobre a imprensa e sociedade israelenses. Meus únicos instrumentos, hoje em dia, são a internet e as agências de notícias.
Prefiro esperar alguns dias e deixar para comentar toda essa baderna (e a tentativa frustrada dos laranjas de tocar o coração do povo) quando voltar para Jerusalém, em uma semana. Até lá, deixo um pequeno álbum de fotos da hitnatkut (a evacuação): um pequeno "Fotolog do desespero laranja".

Os jornais israelenses dão destaque para uma mulher chamada Renana Marmelstein, colona de um assentamento, que durante a confusão clamava para que os soldados olhassem para seus olhos, "se pudessem".
Não que eu esteja gostando de ver aqueles religiosos laranjas apanhando do exército, mas que dá uma satisfação de "dever cumprido", ah sim, não tenho dúvidas.
O Estado de Israel acaba de dar mais um passo. Talvez não para a paz que todos esperam, porém, no mínimo, para o início de uma solução política.


No cartaz acima: "Soldado/Policial: o Hammas lhe agradece"



Laranja chorando...


Desespero

ps: Recomendo um detalhado diário de quem estava lá. Destaque para o último dia do assentamento de Neve Dekalim, em Gaza.

Para ler e acompanhar, clique aqui!

segunda-feira, agosto 15, 2005

Violência e vingança na pauta do dia

"A distância separa dois olhares, mas nunca dois corações!"

Continuo no Brasil.
Comendo bem, vendo meus amigos e recarregando as baterias. Daqui a menos de duas semanas estarei de volta à Terra Santa, ao meu bom lar.
Já tenho saudades!
Enquanto isso, ao mesmo tempo que acompanho pela internet e televisão a retirada dos colonos laranjas de Gaza (que começa HOJE), continuo encontrando algumas bobagens que escrevi há tempos.
A que disponiblizo hoje é um artigo escrito em Março de 2004, logo após o assassinato do xeque Ahhmed Yassin, líder espiritual e fundador do grupo terrorista islâmico Hammas.
Fui bastante criticado dentro da comunidade judaica por causa do texto (que foi publicado em alguns sites). Mas se precisasse escrever tudo novamente, não teria dúvidas. Escreveria dez mil vezes se fosse preciso...
Espero que gostem (ou não!).


VIOLÊNCIA E VINGANÇA NA PAUTA DO DIA


O mundo está se acostumando, cada vez mais, a ficar perplexo diante das notícias matutinas. Na maioria delas, o personagem de maior destaque é um fluido espesso, de cor vermelha e que pode ser considerado o único tecido líquido do corpo humano. O sangue, espalhado entre destroços de prédios, trens, automóveis e ônibus vem ganhando as primeiras páginas de jornais, revistas e websites em todo o planeta.

Antes de mais nada, é preciso ratificar, para os mais bitolados, que nada justifica a violência. Nada. O assassinato do xeque Ahhmed Yassin, autoproclamado “líder espiritual” do Hammas, foi mais um ato de desespero militar e despreparo político por parte do gabinete israelense do que um passo para o fim dos atos terroristas.

Diante do Knesset, o Parlamento israelense, o ex-premiê Shimon Peres foi enfático. “Se eu fosse membro do governo, teria votado contra a decisão. Penso que é um erro”, declarou Peres, prêmio Nobel da Paz e principal idealizador dos acordos de paz de Oslo. Líderes do mundo inteiro condenaram o ataque: França, Inglaterra, Rússia, Vaticano, Chile, entre outros. Violência gera violência, vingança gera vingança.

Em seu site oficial, o Ministério de Relações Exteriores de Israel divulgou sua patética justificativa para o ataque. Segundo fontes oficiais, o Hammas, sob a liderança de Ahhmed Yassin, perpetrou, nos últimos três anos e meio, 425 ataques terroristas em Israel. Neles, 377 israelenses morreram e 2.076 ficaram feridos. O site ainda faz questão de citar alguns desses ataques, como àquele em que uma discoteca em Tel-Aviv voou pelos ares em Junho de 2001, matando 21 pessoas e ferindo outras 120. Mas por que, com tantos mortos e feridos, a retaliação por parte de Israel é patética?


Sharon e Yassin


Israel faz questão de falar para o mundo que honra seus mortos, que tem um exército moral, ético e cheio de valores universais. Porém, vingança gera vingança, violência gera violência (estão lembrados?). Por mais mau caráter e desprezível que possa ser o sujeito, por mais assassina ou fonte que incita assassinatos que ele possa ser, nada justifica a violência.

Aqui não pensamos em conseqüências para opinião pública, marketing ou hasbará. Não estamos levando em conta se assassinar um importante líder terrorista palestino é bom ou ruim para a guerra da propaganda. Falamos em ética, em inteligência, em bom senso. Pode ser o Bin Laden,, um arquiterrorista sanguinário como Yassin, mas a vingança leva sempre à outra vingança, maior, e o ciclo nunca termina.
Um primeiro-ministro que todavia pensa ser general é, no mínimo, um grande risco para a segurança de uma nação.

O assassinato

Seguranças do xeque maníaco empurravam sua cadeira de rodas quando três mísseis foram lançados por helicópteros “Apache” israelenses. Yassin era tetraplégico desde os 12 anos, resultado de um golpe recebido numa partida de futebol no campo de refugiados de Shatti, na Faixa de Gaza. O fundador do Hammas saía de uma mesquita no bairro de Sabra, em Gaza, quando foi literalmente lançado pelos ares. Fontes palestinas informaram que outros oito palestinos morreram e 18 ficaram feridos, inclusive um de seus filhos.

Segundo informações da agência EFE, uma das mãos do xeque foi mostrada no hospital de Shifa. Uma multidão de palestinos que se aglomerava em seus arredores gritava "Alá é Grande" e clamava vingança contra Israel, o que não deve tardar a acontecer. Era o fim de uma das figuras mais populares da Cisjordânia e da Faixa de Gaza; um homem carismático de 67 anos e mentor de atos dos mais sangrentos por parte do terrorismo internacional. Cerca de 200 mil pessoas, simpatizantes do Hammas e de outros grupos extremistas palestinos, invadiram as ruas de Gaza, pedindo vingança, após o assassinato de Ahhmed Yassin.

O Hammas foi criado em 14 de dezembro de 1987, pouco antes da primeira Intifada, por um grupo de militantes islâmicos que diziam fazer parte dos Irmãos Muçulmanos, entre os quais se encontrava o xeque Yassin. O objetivo do Hammas era contra-atacar a influência do Jihad Islâmico, um pequeno movimento integrista de inspiração pró-iraniana, mas também a do Fatah, ao qual criticava pelo fato de dar prioridade à luta nacionalista e à independência, deixando de lado o aspecto de ajuda social. Ao longo dos anos, o Hammas desenvolveu uma ampla rede de ajuda social e de obras de beneficência, principalmente escolas, o que explica sua influência crescente nos territórios palestinos.


Xeque Yassin

Os três

Yassin está entre os três principais líderes palestinos mortos em décadas de conflito. Em 16 de abril de 1988, Khalil al-Wazir, mais conhecido como Abu Jihad, foi fuzilado em sua casa na Tunísia por um grupo de extermínio israelense. Abu Jihad, morto no quarto mês da primeira intifada palestina, era vice de Yasser Arafat na Organização da Autoridade Palestina (OLP) e um terrorista de velha lembrança para os israelenses.

Em 5 de janeiro de 1996, Yahya Ayyash, conhecido como “O engenheiro” e acusado de ser o autor intelectual de diversos ataques suicidas palestinos, foi morto em Gaza, quando seu telefone celular explodiu em suas mãos. Os palestinos culparam o Estado de Israel, que negou qualquer participação no atentado.

Em represália, o Hammas lançou quatro atentados suicidas que mataram 59 pessoas em três cidades israelenses em nove dias, entre o fim de Fevereiro e o começo de Março do mesmo ano. É a violência, como sempre, gerando mais violência (estão lembrados?).

sexta-feira, agosto 05, 2005

Meu amigo soldado

Aqui em casa, remexendo meus antigos arquivos de texto no computador, encontrei raridades.
Dentre elas, uma crônica que rascunhei no dia 7 de outubro de 1999, durante minha primeira estadia (de apenas dez meses,como turista) em Israel.
Ela nunca chegou a ser escrita totalmente, finalizada ou muito menos publicada num jornal qualquer.
Alguns recursos literários foram alterados no sentido de reproduzir técnicas utilizadas por João do Rio em “A Alma Encantadora das Ruas”. O estilo é basicamente o mesmo, porém transportado para os dias de hoje.
Perdoem-me pelo tamanho do post. Ficará um pouco grande...


MEU AMIGO SOLDADO

“Notícias são histórias esperando para serem contadas.”
Moacyr Scliar


Às 7 da manhã, três veículos rebuscados se aproximavam do centro de estudos latino-americanos na cidade sagrada de Jerusalém. Eu resolvera participar do passeio junto com argentinos ressacados, uruguaios dignos de manicômios, costarriquenhos incomunicáveis e outros brasileiros, por que não. Ao lado dos veículos, três ônibus por sinal, vinha a nosso encontro um comboio de soldados armados até os dentes. Acreditamos no momento que todo cuidado era pouco se o objetivo era visitar Hebron. Se é que o melhor verbo para ir até Hebron não é visitar. Pelo contrário. Um dos responsáveis dissera-me:

- O ônibus é blindado. Entre que temos que passar os procedimentos de segurança.

E eram mesmo blindados, do início ao fim. Janelas reforçadas com aço, buracos na lataria para que canos de metralhadoras pudessem ser encaixados e espaço para que, se necessário, nos jogássemos no chão. Uma atmosfera sufocante. Mereceu fotos. Um bando de latinos desenfreados corria para o ônibus como se fosse uma passagem para o paraíso. Subi as escadas encardidas do blindado e percebi um soldado sentado na primeira poltrona. Vestia roupas verdes, um par de botas negras de cano alto e um solidéu trançado na cabeça. A cabeça, como fonte da moral, representa para o judaísmo a parte mais importante do corpo humano. Cobrindo a cabeça, são lembrados da onipresença divina e conscientizam-se de que a humildade é a essência da religião. Estendi-lhe a mão.

- Bom dia! Posso me sentar?

Ele estendeu a mão. Israelenses nativos são conhecidos por sabras. Sabra é o nome em hebraico de uma fruta pouco conhecida no Brasil chamada figo-da-índia. Uma metáfora, como não podia deixar de ser. Essa denominação “sabra” é dada aos judeus nascidos em Israel porque, no projeto sionista, eles seriam ásperos por fora e doces por dentro. E são, por fora. Gente preparada para a autodefesa, contrapondo-se ao judeu fraco da Diáspora européia devastada pelos genocidas.


Sabra


O ônibus se preparava para partir. O soldado tirou seu fuzil M-16 do chão e colocou no colo. O Estado de Israel, que aprendeu a dividir seus períodos históricos pelas guerras, vive um tempo estranho, posterior ao assassinato de Rabin e a uma guerra que não houve. Imersos num conflito, sim, e dos mais sangrentos. Mas guerra não. Tentei puxar conversa.

- Por que um ônibus blindado?
- De onde você é?
– resolveu abrir a boca meu companheiro de poltrona.
- Brasil!

Respondi com a cara mais limpa do mundo. No momento, umas três pessoas já se aproximavam das nossas poltronas e ficaram escutando. Um grilo poderia ter sido ouvido durante uns 30 segundos antes da resposta do soldado.

- Para que você possa voltar ao Brasil.

Ah, entendi. O ônibus blindado é para que não tenhamos risco de morrer. Bela maneira de iniciar uma conversa.

Os gastos com a defesa por parte de Israel são brutais, cerca de 8% do PIB de US$ 100 bilhões em 1997. Israel talvez seja o país que mais discute seus problemas no mundo. Na televisão, no rádio, na universidade, na rua: cada um tem sua opinião e não sente o menor receio nem inibição em defendê-la, num reflexo saudável da tradição dialética do Talmud. Essa pujança também se manifesta na prática. Saídas são procuradas obsessivamente.

Até onde isso pode chegar, ninguém sabe. O escritor Yoram Kaniuk, que já comparou o país a um misto de piquenique e loucura, escreveu um artigo propondo a volta da antiga separação entre Israel e Judá. Israel seria de Tel-Aviv para cima, e Judá, Jerusalém e arredores. Com isso, teríamos dois universos diferentes, judeus laicos em Israel e religiosos em Judá. Evidente, trata-se de um artigo humorístico, porém esclarecedor. A sugestão de Kaniuk revela a contradição estrutural do Estado.

Mas íamos mesmo à Hebron. Por volta do século XVIII a.C., Abraão veio de Ur, no sul da Mesopotâmia, para a terra de Canaã. Ele se estabeleceu nas cercanias do Vale do Jordão. Visto que nem o Velho e nem o Novo Testamento não haviam sido revelados durante sua vida, Abraão não era nem judeu nem cristão, mas um crente na unicidade de Deus. Agar, a concubina de Abraão, lhe gerou seu filho Ismael, de quem os atuais muçulmanos traçam sua descendência; entrementes, sua mulher Sara gerou-lhe o filho Isaac, do qual os atuais judeus traçam sua linhagem. Abraão se mudou para um lugar perto de Hebron, onde viveu pregando o monoteísmo. Quando morreu, Ismael e Isaac sepultaram-no na mesma cova onde sua mulher Sara foi sepultada. Seu filho Isaac gerou Jacó.


Hebron


- No passado, Hebron era chamada Kyriat Arba. Significa "cidade dos quatro", já que ela era divida entre quatro clãs.

Quem diria! Nosso amigo resolveu dar o ar da graça!

- Há quem acredite que lá foi a pátria de Adão e Eva, mas não existem estudos que provem essa teoria.

Parece que o sério e controlado soldado, mais auto-compenetrado que sua M-16, queria conversar. Mais três ou quatro pessoas saíam de seus bancos e se dirigiram à parte da frente do ônibus. Já que o soldado tinha um solidéu na cabeça, era religioso, devia saber um pouco de história bíblica. Sei lá.

- Quando Sara morreu em Hebron, em 1881 aC e com 127 anos, foi necessário que Abraão comprasse um lugar de sepultamento, pois ele era apenas um residente forasteiro que não possuía terreno algum em Canaã. Assim, comprou dos filhos de Hete um campo, com sua caverna, em Machpelá.

Era o local que estávamos indo visitar. A Mearat Hamachpelá: a caverna de Machpelá; o túmulo dos patriarcas. Lá estão enterrados três casais: Abraão e Sara, Yitzhak (Isaac) e Rivka e Yaacov (Jacó) e Lea. Metade do ônibus já havia se aglomerado em volta de nós.


Mearat Hamachpela


Meu amigo soldado se cala novamente e abre um jornal. Parece de propósito. Na capa, estampada em letras garrafais, a manchete: “Exército derruba 22 casas em Hebron”. Todos que estavam em volta das nossas poltronas conseguiram ler. E mais: perceber o recado que o soldado queria passar. O cano da M-16, fria e serena ainda em seu colo, ainda apontava para o corredor. O homem despertou novamente.

- Semana passada, palestinos mataram 12 dos nossos, agentes da polícia de fronteiras e colonos quando estes se dirigiam à sinagoga da Machpelá.
- Podemos visitar todos os túmulos?
– pergunto, ingênuo talvez.
- Não. Alguns estão na parte árabe. Podem ver o de Abraão e o de Jacó. O de Itzhak está com eles.

Bom, então não. O comboio chega a Hebron. Meia hora de viagem, quarenta minutos no máximo, tempo suficiente para que uma conversa de poucas palavras com um sabra despertasse a atenção de outras 30 pessoas. Todas ensanduichadas, apertadas, se acotovelando para ouvir o soldado falar.

Voltamos no fim do dia. Ouvi alguns argentinos comentando que não iriam contar aos amigos e à família sobre como é Hebron. Entendi o argumento. Querem que todos vejam com seus próprios olhos, pensar em qual seria o limite de um ser humano em se tratando de outro.

Resolvi viajar e visitar, na mesma noite da volta para Jerusalém, alguns amigos no sul do país. Em vez do ônibus, escolhi o serviço de lotação. Preferi ser cauteloso e, assim, evitar presenciar um atentado como outros que já haviam ocorrido. No interior da perua observo, com ironia, a existência de oito árabes que também utilizam o serviço de lotação para evitar constrangimentos, como revistas repentinas na rodoviária. Na perua, apertados nos bancos, viajam árabes e judeus tentando proteger-se, cada qual com seus motivos. Um fugindo do outro para o mesmo lugar. Quando os árabes descem, uma mulher, trabalhadora estrangeira, chama aquele que esquecera a pasta embaixo do banco e pergunta irritada, em inglês:

- Ei, isso não é seu?

Ela não teve tempo de aprender hebraico, mas já entendeu muito bem o que significa o aviso constante em placas pedindo atenção para objetos suspeitos. Podem ser bombas.
Porque todo cuidado é pouco, e toda intolerância é demais.

quarta-feira, agosto 03, 2005

De surpresa...

Peço desculpas por ter sumido por uma semana. Muita coisa aconteceu.
Dentre elas, uma viagem surpresa ao Brasil.
Sim, quase matei minha família de susto.

Nesse momento, escrevo do computador da minha outra casa, em Belo Horizonte (outra porque uma delas ficou em Jerusalém). O mesmo que já presenciou páginas e mais páginas de textos meus: trabalhos de faculdade, meu livro, matérias jornalísticas, notícias, poemas, bobagens.
Faltava nele um pouquinho de "Blog do Bean".
Prometo que, nas próximas três semanas, tentarei mantê-lo bem atualizado. Os assuntos mudarão um pouco, mas a idéia é a mesma.
Aguardem, e terão boas surpresas...
Abaixo, mais que uma bonita vista. Um belo horizonte...


BH, capital das gerais