quarta-feira, novembro 30, 2005

A linguagem da bola

"... Sei que vou, mas vou voltar mais forte e mais vingador ..."

Foi uma grande festa.
Com direito a pontapé inicial do astro Sean Connery, música de David Broza, aplausos de Shimon Peres (que saiu do Avodá e ingressará no "Kadima", definitivamente) e show à parte de Ronaldinho, Deco e Messi.
Foi assim o amistoso entre a chamada seleção da paz (formada por jogadores israelenses e palestinos) e o todo-poderoso Barcelona, disputado na noite de terça-feira na Espanha.
Abaixo, Sir Sean Connery faz força para chutar de trivela...



O jogo em si foi uma porcaria. Morno.
Mas como disse, foi uma grande festa.
Jogadores israelenses já consagrados por aqui como Avi Nimni e Idan Tal dividiram espaço com os árabes Abbas Suan e Walid Badir (da seleção israelense) e também com palestinos desconhecidos que jogam em ligas locais da Cisjordânia ou no campeonato jordaniano (como capitão Haldin Ali Aloara).
Tudo isso foi "patrocinado" pelo "Shimon Peres Center for Peace", uma organização que ajuda crianças israelenses e palestinas e que está focada principalmente no esporte.
A partida (televisionada pelo canal 10), que terminou 2 a 1 para o Barcelona (Deco e Maxi López marcaram, contra um gol de Suan), foi vista por cerca de 30 mil pessoas no Camp Nou, o estádio do Barcelona.
Bandeiras de Israel e da Palestina podiam ser vistas pelas arquibancadas.

O amistoso, que já vem sendo planejado há 3 anos, só foi viabilizado há pouco mais de 6 meses, quando o presidente (da equipe espanhola) Juan Laporta deu o ok.
A "equipe da paz" teve dois treinadores: um israelense e um palestino.
"Futebol é uma linguagem que qualquer um pode entender", disse o técnico palestino.

Como eu venho dizendo já há algum tempo: sim, é possível.
Abaixo, Shimon Peres e o presidente do Barcelona, Juan Laporta.


Para matéria do Terra, clique aqui!
Para nota do ElReloj (em espanhol), clique aqui!
Para detalhes no Peres Center for Peace, clique aqui!
Para notícia do Ynet (em hebraico), clique aqui!
Para notícia do Sport5 (em hebraico), clique aqui!

ps1: Vejam só a notícia espatafúrdia.
O Jerusalem Post, mais antigo jornal em língua inglesa do país, anunciou que lançará, em janeiro de 2006, uma edição cristã.
O que seria uma edição critã?
Segundo um jornal inglês, o respeitado periódico pretende fortalecer sua circulação nos EUA a partir de um estreitamento nas relações entre a direita israelense (pffff...) e os fundamentalistas cristãos ( ai! ).

A versão cristã, mensal, será feita em parceria com a Embaixada Internacional Cristã, organização com sede em Jerusalém. "O conteúdo será determinado pela Embaixada e pelo Post, em conjunto", afirmou o editor David Horovitz.
Os temas abordados serão diversos, desde arqueologia e turismo até outros debates e dilemas ideológicos. "Obviamente, quando seu público predominante é judeu, o conteúdo é um; quando você está escrevendo para um público cristão, haverá ênfases e enfoques diferentes", pontou Horovitz.

Só podem estar de sacanagem.
Como assim, "enfoques diferentes"?
Se for assim, imaginem como seriam as manchetes do Jerusalem Post cristão:

_ Encontradas as botas de Judas na parte oriental de Jerusalém.
_ Papa condena o uso de calcinhas de fora pelas israelenses.
_ Burecas em forma de cruz fazem sucesso nos mosteiros da cidade.
_ Grupo de católicos chineses visitam o Santo Sepulcro.
_ Banda "Hayehudim" troca nome para "HaNotzrim" ("Os cristãos")
_ Sexta-feira da Paixão reúne fiéis no Mercado Árabe.
Preço do terço sobe 85%.

A foto da capa?


Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência...

ps3: Recebi outro dia o link de um site bem interessante.
O Israeli-Palestinian ProCon apresenta, de forma simples e ao mesmo tempo completa, vários temas sobre o conflito aqui na terrinha com opiniões prós e contras.
Além de explicar, coloca sempre duas visões distintas (de professores, intelectuais, políticos etc). Coisa fina.
Está em inglês, mas mesmo assim poderá ser útil. Já está nos favoritos!

ps4: Lembram do Matisyahu? O astro do rap-reggae-chassídico?
Pois é.
Fará dois shows em Jerusalém (no pub "Maabadá" - The Lab -, localizado a poucos quarteirões da minha casa), nos dias 8 e 10 de Dezembro. Duas apresentações também estão previstas para Tel-Aviv, dias 6 e 7, num lugar chamado Barby.
Custa uma fortuna (pra mim). 110 shkalim (23 dólares). Mas estarei lá.
Abaixo, o cartaz do show na pedra de Jerusalém...


Para informações sobre os shows, clique aqui!

Post dedicado a Cláudio e Renata Rawicz.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Com background fica mais fácil

“É preciso descer muito fundo para encontrar forças e subir novamente”
cântico chassídico

Pediram-me, já há algum tempo, para escrever alguma coisa para a revista dos 60 anos do movimento juvenil Habonim Dror no Brasil.
Escrevi. E publicaram, no Rio.
Ficou bem bacana o layout da revista.

Fiquei sabendo também que fizeram uma grande festa.
Sessenta anos é bastante tempo. Digno de comemorações. E outras reflexões também...Por mais que seja judaico, sionista, socialista, kibutziano e todas aquelas outras coisas, o Dror é movimento. Muda (é essa a essência).
Basta ter coragem.
Abaixo, o pequeno texto que rabisquei para o pessoal do Rio. O homenageado era Yitzhak Rabin. Misturei tudo, fiz uma salada.
Deu isso aí...



Caminhando por vielas escuras, recordo-me de um tempo regado por sonhos e ideologias. Tempos de dedicação, tempos de ação. Atinjo a rua. Lentamente, páro e observo, por um mirante improvisado do lado esquerdo da pista, vários morros e casebres de lajes nuas. Lá está ela, Jerusalém, em seu total esplendor e beleza reluzente.
Não são todos os dias que me surpreendo admirando a paisagem, acompanhando moradores indo e vindo apressadamente; alguns com kipot, outros com kffyas. Às vezes, a própria cidade me agarra de surpresa. Continuo atingido por um tsunami de lembranças. Anos que, em pequenas cerimônias respeitosas, acendíamos uma vela e nos deliciávamos com histórias de coragem e bravura de um homem. Casos, datas, homenagens.
Ele nunca foi esquecido.
Porém, ficávamos submersos nos mesmos sonhos e ideologias que resolveram retornar à minha cabeça, anos depois, nesse passeio pela Cidade Velha de Jerusalém. Sonhos e ideologias que nos faziam, ingênua mas deliciosamente, acreditar no que fazíamos.

Deparar-me atualmente com a bagagem cultural que recebi e transmiti nesse movimento, ainda mais quando colocamos como figura central este homem, significa ao mesmo tempo fortalecer minhas convicções e afastar-me de outras paixões demodês.
Ter Yitzhak Rabin como um símbolo do "politicamente possível" possibilitou-me viver numa Jerusalém perturbada, porém de coração esperançoso.
A partir dessa figura, também pensar que a resolução de um conflito secular e que envolve elementos das mais variadas vertentes dependia de um pontapé, uma faísca.

Hoje, caminhando pelas vielas de Jerusalém, percebo que o tal pontapé, a tal faísca, já foram dados.
Sinto-me um privilegiado em perceber que meu status de "novo imigrante" é precedido de anos de atividades, de jogos, de discussões... enfim, da construção da minha identidade judaica e sionista.
Tenho a convicção de estar preparado para lidar com Jerusalém, para entender que o início do que o mundo passou a chamar de paz já foi dado e faz parte de um processo longo e penoso. Processo que durará algumas gerações, mas que dependia (e continua dependendo) de ações políticas.

Teriam meus sonhos sido transformados em opiniões meramente pragmáticas?
Como disse Amos Óz em uma de suas quase infinitas palestras, a paz verdadeira não se dá entre governos. Dá-se através dos governos. Até o dia em que ela, totalmente verdadeira, dará-se entre os povos. E tanto Yitzhak Rabin quanto o Habonim Dror fizeram-me perceber. A tempo.
Enquanto sou ainda jovem e procuro enxergar Jerusalém como minha casa.



ps1: Pela primeira vez em quatro décadas, palestinos estão cruzandando a fronteira (legalmente) sem o controle israelense.
Exatamente.
O terminal de Rafah, na faixa de Gaza, tranformou-se no último final de semana num "balaio de gato". A "casa da mãe joana". "A casa da luz vermelha". "Um coração de mãe".
Logo na primeira hora, 250 palestinos cruzaram a fronteira e foram ao Egito.

O primeiro a passar, o funcionário público palestino Yihad Zanun, foi visitar parentes no Cairo. Precisou de apenas 3 minutos diante do posto de controle para ter seus documentos checados.
Está sendo informado (assisti ontem a uma longa matéria na BBC de Londres) que "observadores europeus" têm supervisionado a fronteira. Ou só "observado" (são 20, chegarão mais 50...).
Nem no Brasil um sujeito espera apenas 3 minutos para sair do país.
Isso não me cheira bem...



A princípio, a fronteira estará aberta apenas 4 horas por dia. Daqui algumas semanas, passará a operar durante todo o dia, 7 vezes por semana.
Sabe-se lá o que vai passar por ali às 3 da madrugada. Ou ao meio-dia.
No fim das contas, não há muito o que se fazer. Democraticamente falando. Que os "observadores" possam "observar" muito bem.
É o que os israelenses esperam...

ps2: Meu Galo está rebaixado. Não tenho comentários. O único é a pequena frase no início do post.
Fui cobrado por não escrever nada do América aqui no blog.
Glorioso coelhão.
Por enquanto, disponibilizo o melhor texto que li sobre "o que é ser americano". Os verdadeiros americanos se identificarão. Eu, que me simpatizo bastante com o verde-preto, já consegui entender um bocado o que é torcer para o América.
Leiam.
Para ler a crônica "Up my ass", clique aqui!

Post dedicado a LT Connections.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Rap, McShwarma, Kadima e LSD

"o gringo subiu o morro e bebeu cachaça,
fumou maconha e obteve a graça,
depois do samba sua vida nunca mais foi a mesma."

1. McShwarma

Uma das melhores propagandas da televisão israelense não é em hebraico.
Não faço idéia de quem foi o publicitário responsável, mas o cara conseguiu resumir a essência do israelense.
Foi, resumindo, uma bela piada sobre a "grosseria israeli".

A propaganda é antiga, do início do ano. Por incrível que pareça, da rede McDonald´s (sim, meus amigos comunicólogos da Fafich: McDonald´s). Uma pequena paródia do filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino.
No carro, Vincent e Jules conversam:

- Você sabe como eles chamam um "Quarter Pounder" em Israel?
- Não
- Um McRoyal
- Certo. E chuta como eles chamam um pão "pita" com carne de carneiro.
- Não sei.
- McShwarma.
- Ah, então o cara entra no McDonald´s e diz 'Eu quero um McShwarma, por favor'?
- Sim, mas eles não dizem "por favor" em Israel.

Para assistir ao comercial, clique aqui!

2. Rap

Quem faz uma mistura deliciosa de rap, reggae e judaísmo é o (já astro) americano Matthew Miller. Codinome: Matisyahu.
Matisyahu, 26 anos, é um judeu nova-iorquino chassídico que já fez de tudo na vida. Ou pelo menos quis ser de tudo. Foi inclusive um hippie com dreadlocks que tocava bongô na lanchonete do colégio.
Até que "encontrou a resposta" e tornou-se religioso.
Mas nunca abandonou a música.

Sinceramente, o som do cara me impressionou.
Ele (um rapper que não deixa nenhum Eminem pra trás) é realmente muito bom. Eu, que a cada dia tenho mais alergia de religião, fiquei fascinado.
Um amigo chileno me disse ontem que Matisyahu fará uma apresentação em Tel-Aviv no próximo dia 5. Ele já comprou seu ingresso.
O meu já está a caminho...
(antes, baixei pelo Emule seu cd "ao vivo")



Sabem o que também é legal? Matisyahu toca, algumas vezes, com o beatbox Kenny Muhammad.
Sim, Muhammad.
Um parênteses: beat-box, para quem não sabe, é a arte de fazer com a boca o que só podia ser feito com instrumentos. Batidas precisas compassando,ao mesmo tempo, caixas, bumbo, baixo e guitarra.
No Brasil, o rei é Fernandinho Beat-box, que participou do acústico do Marcelo D2 (e esteve ontem no programa Pânico).
No caso de Matisyahu e Kenny Muhammad, é mais uma vez a música colocando preconceitos e imbecilidades de lado...
Abaixo, os dois juntos, no mesmo palco.


Para ver performance ao vivo, clique aqui!
Para ver outra apresentação, clique aqui!
Para o site oficial, clique aqui!
Para biografia de Matisyahu (em inglês), clique aqui!
Para comentário sobre Matisyahu (em inglês), clique aqui!
Para ouvir o que Kenny Muhammad faz com a boca, clique aqui!
Para show de Fernandinho Beat-box, clique aqui! (só com Real Player)

3. Kadima

Escolhido o nome do novo partido do primeiro-ministro Ariel Sharon.
"Kadima", que significa "Avante" ou "Adiante". O mesmo nome de uma leaká (um grupo de dança folclórica judaica) famosa no Rio Grande do Sul.

Uma pesquisa da empresa Teleseker, divulgada na terça pelo jornal Maariv, prevê para Sharon, à frente do novo Partido, 30 das 120 cadeiras da Knesset e para Peretz, que será seu principal rival, 26. Em terceiro lugar, com 15 cadeiras, estaria o candidato que presidir a lista do bloco Likud, que provavelmente será o maníaco ex-primeiro-ministro Netanyahu (que lidera a disputa contra o Ministro da Defesa, Shaul Mofaz).
Abaixo, Mofaz e Bibi Netanyahu.



Caso sejam confirmados estes resultados nas eleições, previstas em princípio para 28 de março, o Likud perderia o poder, ficando na oposição juntamente com os partidos da extrema-direita.
Sharon, por outro lado, potencialmente poderia formar uma coalizão de Governo com uma maioria de 71 legisladores caso se aliasse aos trabalhistas, com o bloco pacifista Meretz e com os liberais de centro Shinui, com os quais compartilha algumas posições em matéria de política econômica e do processo de paz com os palestinos.

Em outra pesquisa, o "Kadima" aparece com 33 cadeiras, contra 26 do Avodá e 13 do Likud.



Encontrei uma matéria curta porém didática sobre todo esse "reajuste político" aparentemente complicado em Israel.
Para aqueles que pediram mais informações, cliquem aqui!

Aliás, vi uma cena patética no jornal de ontem. Um amontoado de jornalistas se esmagando numa pequena sala de móveis velhos, alguma secretaria de registro de partidos, para fotografar e filmar o exato momento em que a pasta do Kadima estava sendo entregue a duas senhoras gordas e arquivado.
Coisas de jornalismo...

3. LSD

"Gererê, gererê, o LSD..."
Disponibilizo aqui no Blog do Bean um dos vídeos mais engraçados que já vi em toda minha vida.
Trata-se de um experimento real do exército britânico no anos 40 ou 50, em que foi dado LSD para os soldados e analisado seus comportamentos.
Descobri que o pequeno documentário (que se chama Space Cadet) foi gravado no Centro de Pesquisas Porton Down em Wiltshire, na Inglaterra.

A princípio, o LSD estava em fase de testes para ser usado como arma de guerra. O resulto é hilário.
A tropa, totalmente surtada, não consegue cumprir comandos básicos. Depois de um tempo, os soldados caem em gargalhada no meio de um exercício militar.
O ponto alto é um soldado que, de repente, resolve subir numa árvore para alimentar um pássaro...

O vídeo é curto. Vale a pena. Está, obviamente, em inglês. Divirtam-se.
Para ver "Space Cadet", clique aqui!

Post dedicado aos aniversariantes Marquinhos Chaim e Nandim Gabiru.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Se o mundo tivesse alguma lógica...

Menção de honra no "Blog do Bean" para o filme "Tartarugas podem voar", a primeira obra filmada no Iraque pós-Saddam.

O filme, uma produção conjunta entre Irã e Iraque (países que estiveram em guerra nos anos 80), é uma obra-prima. Apesar das diferenças, ambos os governos dividiam o mesmo desconforto : a presença de significativa minoria curda em seus territórios e o receio de que a concessão de direitos a esse grupo étnico resultasse na divisão dos dois países.
O diretor Bahman Ghobadi, nascido no Irã, é de etnia curda e, o filme, realizado na parte iraquiana do Curdistão, perto da fronteira com a Turquia (outro país de muitos curdos).
E trata exatamente da vida dessa comunidade num momento crucial de suas vidas: as vésperas do ataque norte-americano ao Iraque.

Os heróis de "Tartarugas podem voar" são crianças crescendo num campo de refugiados. Boa parte delas apresenta mutilações, provocadas por ações militares anteriores e é, até os dias de hoje, uma das regiões do mundo com maior concentração de minas terrestres.
Somos obrigados a ver uma realidade, aí sim, caótica.
Restos de veículos militares, excesso de armas (e muita familiaridade com elas), terra devastada e barracas provisórias são alguns dos elementos que compõem as imagens do filme.



Nada no acampamento parece feito para durar.
Num mundo onde a qualquer momento pode explodir uma mina ou estourar uma guerra, os personagens vivem sempre em espera. Nada em suas vidas pode ser estável ou definitivo.

Vivem também numa estrutura em que as contradições insistem em vir à tona: a tradição cultural, a precariedade das condições materiais de vida e a contemporaneidade (representada, por exemplo, pela presença de uma antena parabólica na aldeia vizinha instalada pelo protagonista, uma criança apelidada de Sattelite) confrontam-se de maneira brutal.
"É como se as personagens fossem obrigadas a viver, ao mesmo tempo, no século 21 e no século 19, em tempo de guerra e em tempo de paz", escreveu um crítico.

"Tartarugas podem voar" vem recebendo elogios em todo mundo pela qualidade do trabalho dos jovens "atores". São garotos comuns, sem preparo prévio, recrutados no próprio Curdistão.
Bahman Ghobadi não buscou o naturalismo, mas o impacto, e aquelas crianças são expressivas pelo que são, e não pelo que fingem ser. São expressivas em seus corpos marcados pela mutilação, são expressivas nos rostos de seres humanos que conviveram de perto pela tragédia. Enfim, são a expressão do filme.



"Tartarugas podem voar" reforça ainda mais nossa impressão de que vemos algo absurdo, que não poderia existir se o mundo tivesse alguma lógica.

Para ver o trailer, clique aqui!
Para a ficha do filme, clique aqui!
Para crítica do Portal Terra, clique aqui!
Para ver o pôster, clique aqui!

ps1: Tinha prometido, há algum tempo, parar de escrever sobre política.
Infelizmente (ou felizmente), parece que "política israelense" não é o ponto forte dos leitores do "Blog do Bean". Acho até bom. Desse jeito, não preciso ficar preso a essas coisas...

Perdoem-me aqueles que, de uma forma ou outra, gostam quando a pauta do blog se volta para a política. Tenho certeza que muitos entraram aqui para ler minhas opiniões e minhas bobagens sobre a saída de Ariel Sharon do Likud.
Não tenho muito o que dizer. Apenas umas palavras. Prometo ser breve.

Em primeiro lugar, não vejo todo esse "caos" que muita gente tem enxergado. Trata-se apenas do já tradicional comportamento da imprensa (não só israelense), boa parte aquém de uma compreensão satisfatória de "política".
Abaixo, "a explosão política" que os jornalistas tanto gostam e a "ilusão de caos" que a imprensa criou...



Não é pra tanto.
A "política" que a gente conhece, rascunhada desde Platão e Aristóteles, possui dois codinomes: influência de poder e troca de favores. Tudo funciona como seleção natural. Se esses dois elementos não podem ser mais exercidos, fica difícil "fazer política".
Ninguém quer perder poder. Nem deixar de figurar no jogo dos favores.

Se Sharon vai ou não dar certo no partido "centrista" que vai montar, realmente não sei.
Tenho medo que aconteça o mesmo das eleições de 2001, quando a esquerda dividiu os votos entre dois candidatos e a direita votou em massa em Sharon. Se ocorrer a mesma coisa (com a esquerda dividindo votos entre Peretz e Sharon - por incrível que pareça) e a direita votando em massa em Netanyahu, aí sim viveremos um caos.
Até lá, nada de caos. Apenas o cenário político se reajustando. Nornal no Parlamentarismo, cada um com suas proporções. Um grande reajuste não significa exatamente caos.

Na sexta-feira, o Yediot Acharonot publicou uma pesquisa (com o título "O rei em perigo") sobre o que poderá ocorrer no futuro próximo para a política israelense. Mais especificamente, nas eleições que deverão ser marcadas para o fim de Março.
A pesquisa mostra que caso Sharon continuasse no Likud, teria 39,4% dos votos (contra 19,4% de Amir Peretz). Em caso de novo partido, Sharon receberia 24,8% dos votos (contra 20,3% para Peretz e - o perigo - 20,1% para Netanyahu).

Vocês querem uma opinião, não é!? Pois lá vai.
À princípio, a saída de Sharon do Likud não é boa. É um tiro no escuro.
Quanto a mim, continuarei votando no Peretz. Do mesmo jeito.
Porem, não há como não temer pelo futuro...
Poderá o cavalo desbancar o bispo?


quinta-feira, novembro 17, 2005

A moedinha do demônio

Os líderes anti-israelenses no Oriente Médio têm uma teoria bastante conhecida e, para alguns, interessante.
O Sionismo nada mais seria que um órgão militar e propagandista ligado ao imperialismo ocidental que prega, principalmente, o expansionismo territorial. Que joga pesado e possui bases expansionistas muito bem definidas.
Conhecemos toda essa ladainha...
Há várias, digamos, "provas" dessa conspiração. Desde a Bíblia até a a bandeira de Israel. Tudo devidamente estudado e desmiuçado pelos "intelectuais" árabes. Coisa fina...

Semana passada, descobri a minha "prova" favorita.
A diabólica moeda de 10 agorot...

Agorá é a medida monetária em Israel.
O nome passou a ser usado à partir de 1960, quando a libra israelense valia 1000 "prutot" e transformou-se em 100 agorot (ou agurot). Em 1980, a Libra virou Shekel. Por causa da inflação desenfreada dos anos 80, cinco anos depois o Shekel virou Novo Shekel. E as agorot se perpetuaram...

A moedinha de 10 agorot é maligna. Fora o fato dela não servir para nada (10 agorot equivalem a cerca de 4 centavos de real), ela é tendenciosa.
É provocativa.

Enxergamos, no verso da moedinha, uma menorá (um candelabro judaico) em cima de um mapa.
Não é o mapa de Israel. Nem de Jerusalém.
É impossível não relacionar o mapa, nem que seja por alto, com a idéia da "Grande Israel bíblica", que vai do Nilo até o rio Eufrates (seria proibido dar aos palestinos uma terra, um Estado ou qualquer coisa do gênero - exatamente o que alega o pessoal do marketing laranja).

Essa bobagem (defendida por muitos pseudo-religiosos em Israel) é a maior bandeira que os líderes árabes vêm usando em mais de 50 anos. "Atenção, alerta! O inimigo sionista quer roubar nossas terras! Muito cuidado! Joguemos os judeus no mar!"
A "Grande Israel" é um sonho estúpido daqueles judeus cegos que não só levam ao pé da letra o que está escrito no Velho Testamento, mas que também "interpretam" as escrituras judaicas como bem querem. Igualzinho a alguns muçulmanos que, "interpretando" o Corão, saem explodindo tudo o que vêem pela frente.
Seria mais ou menos assim.



Porém, pergunto: o que esse maldito mapa está fazendo na moeda de 10 agorot? Quem foi o energúmeno que teve essa idéia? Pra quê?
Proposital ou não, provocativa ou não, essa é a moeda que circula em Israel e parte dos territórios ocupados...

Mas assim é a vida.
Um dia, os judeus usam sangue de crianças para fazer matzá. No outro, sonham com uma Israel do Cairo a Bagdá...

ps1: Descobri hoje que meio milhão de israelenses possuem tatuagens.
Isso corresponde a 15% da população.
O mais engraçado? A maioria dos tatuados tem pais que emigraram da Ásia ou da África.
A pesquisa, divulgada pelo Globes, aponta que os israelenses gastam anualmente 1,6 milhões de dólares para retirar tatuagens (cada uma custa em média 420 dólares).
12% das pessoas que retiram as tatuagens são por razões religiosas. De repente, resolver tornar-se ortodoxos e têm que tirar as marcas do corpo.



ps2: Parece que a data das próximas eleições acaba de ser ratificada.
Depois do pequeno tremor político causado com a vitória de Amir Peretz para líder do partido trabalhista, resolveram marcar para 28 de fevereiro de 2006 as eleições gerais em Israel.

Especula-se que o primeiro-ministro Ariel Sharon formaria outro partido para começar, desde já, a campanha contra Peretz. Isso porque, dentro do Likud, teria que enfrentar as primárias contra o maníaco do Netanyahu.
Parece ter sido bastante amigável o papo de Sharon e Shimon Peres, anteontem. Seria futuros colegas de partido? Cenas dos próximos capítulos...
Quando mais eu rezo, mais assombração me aparece...


domingo, novembro 13, 2005

Carta aberta a Bill Clinton

Caro senhor ex-presidente Bill Clinton,

não pude deixar de comparecer nessa noite.
Apesar de um pouco escondido, atrás de uma árvore dentro da Praça Rabin, em Tel-Aviv, assisti a seu discurso e escutei suas palavras de amor para com o homenageado da noite.
Não duvido que o senhor o amava e o admirava.
Dez anos depois, mesmo como um pontinho distante entre quase 100 mil pessoas, senti sua sinceridade. Mais que apontar as qualidades de Yitzhak Rabin, o senhor soube enxergar uma das obsessões do primeiro-ministro israelense assassinado. Com exatidão.
O senhor afirmou que se Rabin estivesse conosco hoje, diria que se as pessoas acham que ele fez um grande sacrifício, que continuem seu trabalho. Rabin sabia que estava arriscando a vida. O senhor também sabia.

Porém, ao ver a multidão que tomou conta da Praça Rabin, antiga Praça dos Reis de Israel, tenho a convicção de que nada foi em vão. Pelo tom de sua voz, pelas palavras bem escolhidas, estou certo de que o senhor também crê que nada foi em vão.
Porque vencemos.
Nossas idéias, as mesmas de Rabin, ainda estão vivas. Idéias de tolerância, de convívio, de paz. Nada de fitas laranjas. Nada de ódio.

Senhor Clinton, agradeço sua presença em minha casa, em meu país. Agradeço também por ouvir de sua boca, dessa vez ao vivo, a célebre frase "Shalom Chaver".
Nunca soube de nenhum presidente ou ex-presidente dos Estados Unidos que cantou o hino de outro país. Em alto e bom tom. Com um sorriso no rosto.
Sei que foi de coração. Foi pelo seu amigo, que hoje é relembrado por milhares de pessoas. Foi por todos que estavam na Praça. E foi também, nem que seja um pouquinho, por mim.
Obrigado.


Para matéria do Ynet (em inglês), clique aqui!
Para matéria do Haaretz (em inglês), clique aqui!
Para nota do ElReloj (em espanhol), clique aqui!

ps1: Não foi um ato político.
Até porque, se fosse, pensaria umas oito vezes antes de sair de Jerusalém num sábado à noite até Tel-Aviv. Apesar da infinidade de membros de movimentos juvenis com camisetas, adesivos e até balões de partidos políticos, ninguém conseguiu estragar a lembrança.

Impressionou bastante gente o número de crianças e pré-adolescentes que compareceram à praça.
Crianças que, há dez anos, aprendiam a engatinhar. Muitos tiveram irmãos que, na semana pós-assassinato, faziam vigília na praça acendendo velas. Foram consideradas "as crianças das velas".
Ontem, "os irmãos das crianças das velas" compareceram. Juntamente com os pais, os tios, os avós. Assistiram cantores antigos (como David Broza e Aviv Gefen) e também o pessoal da nova safra (como Mosh ben Ari e a bandinha "fogo de palha" Shotei Hanevuah).
Ouviram discursos, aplaudiram. Um formigueiro humano estático. Atento durante mais de uma hora e meia.

Mais que as palavras dos políticos, mais que as músicas que repetiam "paz, paz,", emocionei-me com as crianças.
Aquelas que, ao contrário de todo adulto israelense, não têm idéia do que faziam na noite de 4 de Novembro de 1995. Mas que, na noite em que relembramos o líder Rabin, estavam presentes. No mesmo lugar de dez anos atrás. Seja acendendo velas, segurando bandeiras ou tentando correr no meio da multidão. Estavam lá.
Foi o melhor da noite.
(Prometo que, nos próximos posts, estarão fotos do Bean no ato do Rabin...)



ps2: Não quero que o post de hoje fique deprê. Não há razão.
Fugindo um pouco do tema, para os leitores do "Blog do Bean", coloco mais um "extra".
Pouca gente tem comentado por aqui, por isso continuo tentando agradá-los. Nem sei muito o porquê. Acho que é difícil agradar todo mundo.

Coloco hoje aqui um link para o clip "Ze lo oto davar" ("Não é a mesma coisa"), do cantor israelense Ivri Lider.
Ivri, de 31 anos, apareceu no cenário da música israelense em 1997, mas só foi explodir em 2000 (quando recebeu vários prêmios por seu segundo álbum). Hoje é um dos queridinhos das (e dos) adolescentes.
Abaixo, o cantor Ivri Lider.


Para ver o clip, clique aqui!

sexta-feira, novembro 11, 2005

Distração...

Post estilo Kibeloco...

Não entendeu nada??? Clique aqui!

"A única coisa que o presidente Arafat gostava de fazer fora de seu trabalho era ver 'Tom e Jerry'", contou Sami Musalam, um de seus antigos acessores, em entrevista à agência EFE.
O maior ícone do nacionalismo palestino se divertia tanto com o desenho que "os procurava nos canais árabes via satélite".
As declarações de Musalam contrastam com a imagem tradicional de Arafat, de um homem 100% dedicado a seu "trabalho" e sem vida pessoal.

Faz um ano que Arafat morreu. Ninguém sentiu sua falta.

quinta-feira, novembro 10, 2005

A capacidade de imaginar

"And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am"

Sou um apaixonado por cinema.
Pela capacidade de diretores e roteiristas contarem histórias conhecidas de perspectivas diferentes, usando elementos distintos e prendendo o espectador na cadeira.
Não me lembro de um silêncio tão profundo num cinema quanto ao do final do filme de ontem. Foi mais que um tapa na cara. Foi um soco no estômago.

O diretor israelense (que se diz palestino) Hany Abu-Assad conseguiu tirar vários coelhos da cartola.
Conseguiu contar a história de dois homens-bomba com uma sutileza nunca antes vista, tendo o efeito de aumentar a força da gravidade. Ele realmente prende o público na poltrona...
Paradise Now (2005) não defende nem legitima os homens-bomba. Ele quer que o espectador entenda o contexto que produz tais atos - porque, como diz Abu-Assad, entender é o primeiro passo.

Trata-se de dois dias na vida de dois amigos mecânicos (Khaled e Said - Ali Suliman e Kais Nashef, em performances excelentes), moradores da cidade palestina de Nablus (Shchem, em hebraico), que são voluntários para um atentado suicida em Tel-Aviv (ou, para eles, a maior missão de martírio).
Aparentemente simples, a história nos traz uma rede complexa de motivações e sentimentos.

Para o primeiro, o pontapé inicial é a vaidade - a possibilidade de ver pôsteres seus espalhados pela cidade e o vídeo com seu último testemunho (com uma arma) vendido em lojas lhe enche de uma empolgação quase infantil.
Para o segundo, trata-se de uma tentativa de dar algum significado à vida completamente vazia que leva e uma sinistra influência da história do pai. Sobre eles, no entanto, pesa uma dinâmica da qual todos são vítimas e culpados. Paradise Now não é um documentário.
Participou do Festival de Berlim, ganhando o prêmio da Anistia Internacional, e é o representante da Palestina para o Oscar de melhor filme extrangeiro (segundo o diretor, radicado na Holanda, o filme foi custeado pela França, Holanda e Alemanha).



Se está ali o contraste chocante entre a "nobreza" de Tel Aviv com a pobreza e a humilhação constante a que os palestinos são submetidos, o diretor não se exime de mostrar como os idealizadores dos ataques se aproveitam do niilismo a que se entregam seus voluntários.
Mais forte do que a opressão que vem do outro lado da fronteira é a opressão psicológica alimentada ali mesmo, dentro da sociedade palestina.
Quando uma das personagens, Suha (que, no filme, faz o papel da filha de um importante terrorista assassinado), se indigna com o absurdo de matar civis inocentes, ela é imediatamente posta como traidora. Hesitar é permitido, discordar, não.

Como escreveu Érico Borgo, crítico do site Omelete, "fanatismo" é a primeira palavra que vêm à cabeça, geralmente seguida por imagens estereotipadas de osamas-bin-ladens genéricos, segurando explosivos numa mão e uma AK-47 na outra, enquanto gritam "Alá" e pressionam o botão da bomba.
Paradise now acaba com tudo isso.



Tive a oportunidade de conversar com o ator Ali Suliman, logo após a projeção (fomos agraciados com a presença do diretor e dos três principais atores).
Ao contrário das perguntas que o público fez ao final (quase todas imbecis, se me permitem), não estávamos interessados na parte "política" do filme, o que os atores acham ou o que sentiram. Eu e o Gabo queríamos saber mais dos bastidores (como eles se prepararam para o papel, como foi filmar em Nablus, quanto tempo tiveram entre ler o roteiro pela primeira vez e começar a filmar, quanto tempo ficaram em Nablus).

Antes disso, ainda no cinema, perguntaram ao diretor (na foto abaixo, o careca de braços cruzados) por que ele não havia mostrado nenhuma cena forte, como a de uma explosão, por acaso.

"Não subestimo a inteligência do meu público.
Cinema não serve para mostrar algo que todos conhecem,
e sim dar suporte para que o público imagine o que já é conhecido."



Ali Suliman, que faz o papel de Khaled, nasceu em Natzeret (Nazaré), em Israel. Vive hoje em Tel-Aviv.
Disse não ter conversado com "ninguém" para se preparar para o papel. Passou quatro meses filmando em Nablus e, por incrível que pareça, teve o maior choque da sua vida quando retornou à Tel-Aviv.

O Gabriel, que não perde uma, perguntou se caso fosse um palestino de Nablus, teria também se tornado um homem-bomba.
Pergunta difícil. Resposta nem tanto.
É preciso ter a capacidade de imaginar o que é viver lá. Eu, Bean, não tenho. Você, caro leitor, também não tem. A pergunta "imagina se você fosse..." só faz sentido se você tiver como imaginar.
Acredito eu que todos (os poucos) que são capazes de imaginar o que é ser um refugiado em Nablus titubeariam antes de responder. Inclusive eu.
Abaixo, Bean e o ator Ali Suliman (que, na resposta, titubeou...)


Para ver o bom trailer, clique aqui!

Para o site oficial do filme, clique aqui!

Para fotos de Paradise Now, clique aqui!

Para crítica no Festival do Rio (em português), clique aqui!
Para crítica do Omelete (em português), clique aqui!
Para crítica do Terra (em português), clique aqui!
Para resenha do filme (em inglês), clique aqui!

Uma curiosidade:
Esse é o pôster de divulgação do filme na França.
Esse é o pôster na Alemanha.
Esse é o pôster aqui em Israel.
Dá pra entender o porquê da diferença...

ps1: O eterno vice não é o Vasco da Gama nem o técnico Levir Culpi.
É Shimon Peres.
Ontem, nas primárias do partido trabalhista (Avodá), perdeu a votação para o líder da Histadrut (algo similar à CUT) Amir Peretz (do bigode "moda Stálin").
A imprensa está chamando a vitória de "tempestade política". Bullshit! Apesar de tudo, nenhum dos dois candidatos é, hoje em dia, páreo para Ariel Sharon. Se levarmos em conta à liderança do Avodá, estamos fadados a mais um mandato do Likud. Tudo 100% sociologicamente explicado...
Um dia conto pra vocês. Tenho a minha teoria.


Para ler sobre a vitória de Peretz (em inglês), clique aqui!

Para matéria do Ynet (também em inglês), clique aqui!

ps2: O cantor Phil Collins se apresentou aqui em Israel.
Não fui porque não estava disposto a pagar o alto preço para ver Phil Collins. Ouvi boatos que, no ano que vem, os Rolling Stones se apresentarão no Parque Yarcon, em Tel-Aviv.
Esse eu pago...

segunda-feira, novembro 07, 2005

Post parênteses: Paixão

"Oh captain, my captain!"

Banalizamos as paixões. Sim.
Não é lindo isso, leitor, ter a certeza que amamos algo aparentemente estúpido? Feliz daqueles dias que podia pisar no Mineirão e chorar com cada "lutar, lutar, lutar" que ecoava das arquibancadas.

Faz tempo que não dedico um post ao futebol. E, aos que pensam o contrário, hoje tampouco falarei sobre "futebol".
Hoje o tema é paixão. Ou um pequeno parênteses sobre ele.
Amanhã, voltaremos com a programação normal...
Com a palavra, Roberto Drummond.

"Ah, o que é ser atleticano? É uma doença? Doidivanas paixão? Uma religião pagã? Benção dos Céus? É a sorte grande? O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas.
Daí, que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo. Cheira a lágrimas. Cheira a grito de gol. Cheira a dor. Cheira a festa e à alegria. Cheira até mesmo a perfume francês. Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, tremula ao vento.


A gente muda de tudo na vida. Muda de cidade. Muda de roupa. Muda de partido político. Muda de religião. Muda de costumes. Até de amor a gente muda. A gente só não quanto se trata de Clube Atlético Mineiro.
É um amor cego e têm a cegueira da paixão.
Já vi atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar: - Nunca mais torço pelo Galo. Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazem com o retrato da amada.

Que mistério tem o Atlético que, às vezes, parece que ele é gente?
Que a gente o associa às pessoas da família!? Que mistério tem o Atlético que a gente o confunde com uma religião? Que a gente sente vontade de rezar "Ave Atlético, cheio de graça"? Que a gente o invoca como só invoca um santo?
Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa preta e branca, um milagre se opera? Que tudo se alegra à passagem de sua bandeira? Que tudo se transfigura num mar preto e branco?

Ser Atleticano é um querer bem. É uma ideologia. Diante do Atlético todos são iguais: o bancário pode tanto quanto o banqueiro, o operário vale tanto quanto o industrial.
Toda manhã, quando acordo, eu rezo: obrigado, Senhor, por ter me dado a sorte de torcer pelo Galo."


Trilha sonora do post parênteses: Let there be love, Oasis.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Esperança, paz e um café. Sem açúcar, por favor!

"Não corra atrás das borboletas.
Cultive um jardim com muitas flores, e as borboletas virão até você."

O israelense cultivou com determinação seu gosto pelo café.
Vocês sabiam que, segundo a empresa Osem, 90% dos israelenses adultos tomam aquele Nescafé solúvel pela manhã?
Talvez seja por isso que o cafezinho esteja prestes a encobrir um capítulo grandioso na história de Israel.

A Osem, companhia representante da Nestlé em Israel, está comemorando 10 anos de presença no mercado do país. Para isso, construirão o maior café do mundo em Tel-Aviv, com quatro setores diferentes e num espaço gigante.
Escolheram, nada mais nada menos, que a Praça Rabin, em Tel-Aviv.
Antiga "Praça dos Reis de Israel", que também recorda outros 10 anos.

Hoje fazem exatos dez anos que o então primeiro-ministo Yitzhak Rabin foi assassinado no fim de um enorme comício pela paz. Centenas de milhares de pessoas apoiavam seu esforço de trazer o mínimo de paz ao Estado de Israel.
Ficou bem famoso o pedaço de papel manchado de seu sangue retirado de seu bolso com a letra da música "Shir Lashalom", cantada em verso e prosa na manifestação.
Uma das lembranças que ficaram de Rabin.



Mas ele foi assassinado.
E, no lugar de preservar a história, construirão um café.
Café que, aliás, contou com a aprovação da Prefeitura de Tel-Aviv e começa a ser cosntruído a partir do dia 2 de Dezembro, recebendo o alvará já no fim do mês.
Nada de Rabin.
A Osem (daquele jingle horroroso, "ze tov, ze osseeeem") afirmou que a parte principal do café contará com apresentações ao vivo de artistas nacionais, sendo os outros setores destinados ao jazz e "músicas tranquilas".
Nada de Rabin.

O maior herói da história moderna de Israel vem, a cada dia, sendo deixado de lado. Não pelos políticos (desses não é possível esperar muita coisa...), mas pelos educadores.
Trinta alunos de segundo grau em Israel participaram de uma pesquisa do jornal Yediot Acharonot, respondendo 10 questões simples sobre a vida de Yitzhak Rabin. Dentre elas, estava "quando e onde" Rabin foi assassinado, o país que ele assinou um tratado de paz e o maior prêmio internacional que ele ganhou (o Nobel da Paz).

Se não fosse brasileiro, teria realmente me assustado. Mas...
Apenas um terço soube responder a data de seu assassinato e a maioria sequer sabia que Rabin era o Chefe do Estado-Maior durante a Guerra dos Seis Dias. Quase a totalidade dos estudantes afirmaram que foi o Egito, e não a Jordânia, o país que possui Rabin como signatário de um acordo de paz.
E olha que isso é Israel, onde não existem analfabetos, as crianças estão na escola e os heróis são "lembrados" e "reverenciados"!!!
No Brasil, pesquisas desse tipo sempre nos trouxeram resultados desastrosos.

Já que construirão um café gigante na Praça Rabin, talvez no exato lugar e que ele tomou os tiros coloquem uma máquina de refrigerantes. Ou uma vendinha de burecas. Ou uma que venda Nescafé instantâneo. Em 30 segundos.
O povo não vai sentir falta, e os transeuntes até gostarão...


"Sempre acreditei (...) é permitido dar uma chance à paz".
Para ver matéria do canal 2 (em hebraico), clique aqui!
Para ouvir a música "Shir Lashalom", clique aqui!
Para especial do JPost sobre os 10 anos (em inglês), clique aqui!
Para biografia de Rabin (em português), clique aqui!


ps1: A história da banda Sheygets é parecida com a de qualquer outra banda de rock no mundo.
Parecida, mas com um detalhe. Sheygets é uma banda israelense, e isso faz diferença. Como, por exemplo, o motivo pelo qual a a banda "Titi Procura uma Casa", criada em 1996 e considerada posteriormente a "mãe" da banda Shygets, terminou.
O guitarrista foi convocado e foi servir, com gosto, o Exército de Defesa de Israel. Virou paraquedista.

Em 1999, criou-se a Sheygets (que não é uma palavra hebraica. Em yiddish, funciona como o masculino da famosa palavra "shikse". "Shikse" quer dizer, ao pé da letra, "pessoa não-judia").
Tudo não passou de uma brincadeira do grupo, até porque os quatro integrantes da banda são mais judeus que meus dois bisavôs juntos.



Passei mal de rir quando escutei à nova música do Sheygets, que já tem dois cds no currículo.
Depois, veio o clip. Uma palhaçada...

"Oi va voi", que em yiddish significa ("Ai meu Deus") já virou hit.
E a primeira frase da música então? "Oi va voi! Hayom guilíti sheaní lo goy" ("Ai meu Deus! Hoje descobri que não sou goy.")
Vale à pena ver o clip, mesmo se você entender pouco, quase nada ou nada de hebraico. Esse é o punk rock que se faz por aqui.
"Oi va voi"!


Para ver o clip, clique aqui!
Para o site oficial da banda (em hebraico), clique aqui!
Para ver a capa de matéria no Maariv (em hebraico), clique aqui!
Para histórico da banda (em hebraico), clique aqui!
Para letra da música "Oi va voi" (em hebraico), clique aqui!